Avicena é o nome latinizado de Abu Ali al-Hussein Ibn Abd Allah Ibn al-Hassan Ibn Ali Ibn Sina, ou simplesmente Ibn Sina, como é comumente chamado no mundo árabe. Ele nasceu no ano de 980 em Afshana, na antiga Pérsia, foi o mais talentoso médico do período entre a época do Império Romano e o surgimento da ciência moderna no século XVI. Sua influência se estendeu por todo o mundo islâmico e pela Europa ocidental da Idade Média.

Sua capacidade intelectual precoce foi evidenciada quando ele tinha apenas 10 anos de idade, pois nesta fase de sua vida já havia decorado todo o Alcorão, o Livro Sagrado dos muçulmanos. Há até um nome próprio em árabe – Háfiz – que designa de modo muito especial uma pessoa que tem o Alcorão memorizado. São aproximadamente 76.000 palavras, 114 capítulos (suwar) e cerca de 6.220 versículos (ayát). No contexto islâmico, esta atitude é uma proeza relevante porque era normal as pessoas se utilizarem de passagens do Alcorão tanto no âmbito da vida acadêmica como em questões simples para dar mais credibilidade ao que se quer dizer.

Ademais, a filosofia em terras do Islã surgiu impulsionada pela hermenêutica alcorânica. O desejo de conciliar razão e fé criou entre os muçulmanos um extraordinário movimento para explicação e interpretação do conteúdo do Livro Sagrado (o Alcorão).

Se no Ocidente há separação entre ciência e religião, razão e fé, no Islã praticamente é inexistente este dualismo e, segundo Ibn Sina, não há nada na filosofia que seja contrário à lei religiosa do Islã. Pode-se dizer que os filósofos muçulmanos do medievo procuraram estabelecer a harmonia entre filosofia e religião.

Com menos de 18 anos de idade, Ibn Sina, o Sumo Sheik ou o Grande Mestre (Al-Shaikh Al-Raís) como ficou conhecido no mundo árabe, já era médico e dominava conhecimentos amplos de filosofia, matemática, lógica, jurisprudência, teologia, entre outros. Produziu mais de duzentas obras. Merecem ênfase duas muito conhecidas: O Cânon de Medicina (Kitáb Al-Qanún fi al-Tib) e Al-Shifá’ (a Cura).

Com a morte do príncipe para quem trabalhava em Hamadan, em 1022, Ibn Sina mudou-se para Ispahan, na região central do Irã, onde terminou o Al-Qanun Fil-Tibb (Cânone da Medicina). Neste livro, ele descreveu as maiores realizações dos médicos gregos e romanos, e listou sistematicamente 760 drogas e preparados médicos. O Cânon foi traduzido para o latim por Gerardo de Cremona no final do século XII, tendo sido utilizado como base para os estudos de medicina nas universidades européias até o século XVII.

George Sarton, historiador da medicina, escreveu em sua Introdução à história da ciência:

“Um dos maiores expoentes do universalismo muçulmano e uma eminente figura na cultura islâmica foi Ibn Sina, conhecido no ocidente como Avicena (981-1037). Durante mil anos tem conservado sua reputação original como um dos maiores nomes da medicina. Suas obras médicas mais importantes são o Qanun (Cânone) e um tratado sobre medicamentos cardíacos. O ‘Al-Qanun fi al-Tibb’ é uma imensa enciclopédia de medicina. Contém alguns dos pensamentos mais esclarecedores incluindo a distinção entre a mediastinite e a pleurite, o reconhecimento da natureza contagiosa da tuberculose, a expansão das enfermidades pela água e pela terra, descrições minuciosas de problemas dermatológicos, as doenças sexualmente transmissíveis e as perversões, doenças do sistema nervoso.”

O pensamento filosófico de Ibn Sina foi influenciado por filósofos da Grécia Antiga, particularmente pelas filosofias de Aristóteles, Platão (refuta, porém, a pré-existência das idéias ao modo platônico) e pelo neoplatonismo, mas não se pode dizer que ele foi fiel seguidor de alguma delas. Dos filósofos árabes foi influenciado, particularmente, por seu predecessor Al-Farabi, ao qual posteriormente ofuscou com a distinção que o conhecimento filosófico de Ibn Sina recebeu.

Por outro lado, influenciou de modo significativo o pensamento da Escolástica cristã na Idade Média em figuras como Tomás de Aquino, São Boa Ventura, Alexandre de Hales, João Duns Escoto, entre outros. Na sua monumental obra “Suma Teológica” (ou Suma de Teologia), Tomás de Aquino cita Ibn Sina mais de 250 vezes, tanto para aceitar como para discordar do pensamento deste.

Não há dúvida de que é o filósofo muçulmano dos conhecidos e o que mais projetou a filosofia escrita em árabe no Oriente e no Ocidente.

Ibn Sina morreu no mês de Ramadã do ano de 428 da Hégira, correspondente ao mês de junho de 1037 d.C., próximo à cidade de Hamadan, na Pérsia. Nesta cidade, que conserva o mesmo nome, Ibn Sina está sepultado num mausoléu e é motivo de orgulho para seus habitantes e para todos os iranianos. Junto ao mausoléu há várias dependências incluindo uma biblioteca. Hoje o local recebe muitas visitas de caráter turístico e acadêmico.